quarta-feira, 6 de junho de 2007

Meus "sãos"


Eu vivo no mundo da lua. E por ficar tanto no mundo da lua esqueci do mundo da terra. Esse que a gente vive mesmo. Fui me entupindo de coisa, até que meu corpo disse "PÁRAAAA sua MALUCA!". Sorte que não era tarde demais. Voltei da lua para olhar para a terra. Claro, eu visito a lua. Porque ela linda e tem que ser visitada. Na lua encontro espaço para criar, na terra para executar. Na lua eu vejo São Jorge. Na terra eu vejo outros "sãos". Os "sãos" que fazem a vida acontecer e ser tão bacana como ela é.


Então, dia destes, tive que correr para mandar uma foto para o jornal. Fui até a classe de "Brasil Alfabetizado" e lá encontrei o Joaquim e o Abílio. Os dois quietos, no canto, compenetrados em suas tarefas. Eu nem quis atrapalhar. Estava agitada, precisava logo da foto. Era voltar, descarregar a máquina e enviar. Ocorre que os escolhidos se recusaram a fotografar.... provavelmente por vergonha. Vergonha de na idade adulta, mas ainda jovem, assumirem publicamente que estavam se alfabetizando. Ledo engano. Eu teria era motivo de orgulho. O pessoal não foi a escola antes porque tinha de trabalhar e ajudar na despesa doméstica.


Daí, frustrada, me voltei para o Joaquim. Simpático, dono de um sorriso imenso, e olhar perseverante no alto de seus 80 anos. OITENTA .. repita comigo OITENTA! - "Posso tirar uma foto sua?", disse ressabiada. - "Claro. Como você quer?". O sorriso cresceu e o Joaquim fez pose com seu caderno. Click.


Arrisquei e me aproximei do amigo Abílio, que desenhava pacientemente e cuidadosamente o alfabeto em seu caderno. - "Com licença. Posso tirar uma foto sua?"; - "O quê?", disse ele virando sua orelha para o meu lado. Repeti a pergunta e, mais uma vez, ouvi um sim. Abílio, 81 anos, reforçava o aprendizado das letras naquela noite. Infelizmente, parte do trabalho com ele havia se perdido com as faltas geradas por uma gripe muito forte.


Joaquim e Abílio, 80 e 81, não se recusaram a fotografar. Pelo contrário, orgulhosos exibiram seus cadernos. Fizeram pose de criança e me mostraram com o olhar que agora compreendiam as letras. Confesso eu queria era ficar lá e descobrir um pouco mais da história deles. Soube pela professora que Joaquim vende bala de coco e Abílio perde muita aula para cuidar da esposa. Soube ainda que os dois deixam a classe nos dias muito frios ...coisa da idade. Da idade que não os impediu de estudar, conhecer e aprender. Idade que atrapalha a dinâmica, mas serve de exemplo de luta. São eles meus "sãos" da semana.


Viciada em letras, não me imagino sem compreender o que elas querem dizer. Mas por momentos tentei ser um pouco Joaquim e Abílio e, então, compreendi que outras coisas são mais essênciais na nossa vida e foi por estas "outras coisas" que ambos deixaram as letras no passado.

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