terça-feira, 27 de março de 2007

A manhã de Luana

Luana chegou esbaforida ao trabalho. - "Pensei que não chegaria a tempo", disse ela, enquanto buscava um copo d'água. Foi estranho, porque a moça é pontual, aliás, normalmente ela chega antes da hora, perfumada e toda arrumada.

Hoje foi diferente. A Luana chegou em cima da hora. Cara suada. O sol a pino do lado de fora, me indicou a correira para que batesse o ponto na hora. - "Nossa menina, juro que hoje achei que não chegaria na hora. Se eu te contar.. você não acredita tudo que eu fiz hoje".

Bom... confesso, talvez não acreditasse mesmo. Luana era cheia de estórias do dia, da noite, da tarde. Sempre fazia algo diferente e, pelo tom de sua voz, o que vinha a seguir não me surpreenderia. Sentei. Acendi um cigarro. Fiquei a espera de sua fala.

_ "Olha só. Acordei cedo. Dei uma ajeitadinha na casa porque não estava me sentindo bem. Liguei no jornal, só pra ouvir as notícias. Daí fui lavar roupa. Putz... muita roupa. Resolvi engrenar e fazer almoço, mas daí tive que correr até o supermercado. Sorte minha, porque o sabão em pó não daria para duas máquinas" - pausa - Luana tomou um gole d'água. - "Então, como eu ia dizendo... fui até o supermercado, não comprei quase nada, mas lá se foram cem reais.. meu CEM RE-A-IS.. tem noção??? É um puta dinheiro pra uma comprinha mixuruca. Aposto que os produtos de limpeza encareceram.." - pausa - mais um gole. - "Voltei do super, e daí a máquina já tinha terminado as primeiras roupas. Estendi tudo e coloquei a segunda tantada para bater... (rs).. nem eu acredito que fiz isso", parou.

Eu ali, prestando a maior atenção e Luana parava para dar risada. Sua estórinha da manhã, comum a tantas mulheres, era para ela uma glória, algo novo, um compromisso desnecessário e satisfatório. E, então, vem a confissão.

- "Ouuu.. a manhã foi punk. Quando eu olhei no relógio já era meio dia, faltava começar o almoço, eu tinha que tomar banho e estar aqui agora", falou tentando encurtar a estória. É, porque a Luana quando conta alguma coisa faz questão de se ater em mínimos detalhes, tipo, a sensação que ela tem ao fazer ou participar de algo. Ela é daquelas pessoas que além de transmitir o ocorrido, conta também a sensação, o cheiro do ar.

- "Bom.. pra resumir. Corri com o arroz e coloquei umas coisas no forno para assar. Lavei a salada. Neste meio tempo, guardei as compras, chequei a agenda da semana e, então.. fui acordar o bonito que, de-ta-lhe, neste tempo todo não levantou nem com o barulho ensurdecedor da máquina na hora de centrifugar a roupa", daí a Luana fez uma cara engraçada, torcendo a boca.

O chamado "bonito" é o marido da Luana. Gente boa ele, mas não levanta cedo, nem se a casa explodir. Por isso mesmo ela faz aquela cara toda vez que fala sobre isso. E ela prossegui, já preocupada com os telefones que começavam a berrar em nosso escritório.

- "O fato é que, enquanto eu terminava a comida e deixava meu uniforme ok para o trabalho, ele levantou, tomou banho e ficou todo lindo perfumado. Nestas alturas.. eu fui pro banho. Sai, troquei de roupa, almoçamos.. levantei, estendi a roupa da segunda máquina, ajeitei a pia e então.. quando estava me aprontando para sair, orgulhosíssima do que consegui fazer pela manhã, em um espaço de três horas e meia, vem o bonito para me apressar", e fez novamente a boca torta.

Luana caiu na risada. A situação rotineira para tanta mulher era para ela uma vitória. Trocará deliciosas horas a mais na cama, por uma manhã de dona de casa. Luana provavelmente ria porque sabia que as atividades não fazem parte de sua rotina, que não fez por obrigação. A casa vai bem sem seu empenho. Mas hoje ela quis fazer. Foi um compromisso. A Luana decidiu mudar de atitude, agitar a rotina, ter novos compromissos, cuidar mais do que é seu.

- "Sabe... foi muito trabalho para zero de reconhecimento. Tenho pena das mulheres que vivem para sua casa, marido e filhos e, ainda assim, são taxadas de desocupadas. Acho que tenho mais pena ainda daquelas como nós... tem a casa, o marido, os filhos e o trabalho. Caracas.. como a gente dá conta de tudo isso???" - refletiu minha amiga. Pelo olhar, a mim lançado, senti que Luana previu o futuro. Desconcertada abriu seu caderno, fez algumas anotações e ....

- "Tá certo. Vamos trabalhar. O dia é longo e tem muita coisa para fazer". Fim de papo.

G.David

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