segunda-feira, 2 de abril de 2007

Menino de bicicleta e luz estourada

A idéia naquele dia era capturar imagens. Boa desculpa para quem queria mesmo testar os limites da nova máquina, explorar o brinquedo recém-adquirido, brincar de guardar momentos, que podem renascer na memória por meio de um simples olhar. Ia toda empolgada, no banco da frente, mirando e disparando. Click. Mesmo com as modernidades da tecnologia, gosto mesmo de foto à moda antiga. Nada como a sensação de não desperdiçar o momento, ter certeza de que a luz está certa, que o movimento não sairá desfocado.

Demorei pra me render às facilidades da câmera digital. Tentei resistir ao tempo. Mas, infelizmente, uma foto revelada hoje é mais cara, o filme é mais caro, na relação custo-benefício a digital sai ganhando. Entretando, nada como olhar pelo quadradinho. Por isso mesmo, a minha tinha que ser diferente, tem que ter o quadradinho. Foco automático .. tudo bem, mas o resto eu quero controlar. O momento a ser registrado deve ser, ainda, a visão que tenho do fato. E gosto de olhar pelo quadradinho.
Na paisagem de final de tarde, na estrada, o menino me chamou atenção. Peito desnudo, bermuda e sua bicicleta. Pareciam compartilhar o visual, pertencer ao mesmo ambiente. Ele à beira da auto-estrada. Vi de longe e me preparei. Fiquei ali, com o olho no quadradinho. Senti um frio na espinha.... era medo de perder a hora certa. Quem fotografa sabe.. é preciso sincronia: olho, cérebro e o movimento de apertar o botão.. todos na mesma hora. Se não for assim, a foto não é boa.

Click.


Capturei o menino.


Capturei aquele instante. Deu pra checar depois. A luz no fundo estourou, mas o movimento não. A velocidade do carro, a velocidade da bicicleta, a velocidade da câmera... nenhum elemento - exceto a luz do fundo - atrapalhou o momento. Guardei a liberdade daquele menino, naquele momento.

Amanhã, ao olhar aquela foto, saberei como foi. Lembrarei da tarde de sábado, final do dia, o sol se pondo, da brisa fresca que corre a Mantiqueira. Lembrarei que falávamos de fotografia. Lembrarei que você queria paisagem e que eu queria instantes. Porque a paisagem, normalmente, está lá, já é um registro na memória. Mas o instante não. Ele é só um instante, único. - "Uma foto de instante me faz lembrar o que aconteceu no momento dela, me transporta no tempo. A paisagem não" - e ele riu da minha justificativa.

O menino na bicicleta foi meu instante. Meu instante de meninice, de criança com brinquedo novo, olho brilhante e fome de novidade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gá, adorei seu texto.
Por muitas razões.
Fala de cumplicidade, de fotografia, de fim de semana, de conversa, de paisagem....
E tb fala de instantes....
Esses mesmos que a gente, às vezes, teima em deixar escapar....
Tô aprendendo...e você?
um beijo